Para Inspirar

Dormir bem é a melhor coisa que você pode fazer pela sua saúde

O sono insuficiente é um dos fatores de estilo de vida mais significativos que influenciam o desenvolvimento ou não da doença de Alzheimer.

11 de Fevereiro de 2019


Você acha que dormiu o suficiente na semana passada? Consegue se lembrar da última vez que acordou sem um despertador, sentindo-se revigorado, sem precisar de cafeína? Se a resposta a alguma dessas perguntas for "não", você não está sozinho. Dois terços dos adultos em todas as nações desenvolvidas não conseguem obter as oito horas recomendadas de sono noturno. O sono insuficiente é um dos fatores de estilo de vida mais significativos que influenciam o desenvolvimento ou não da doença de Alzheimer. Durante o sono, um sistema de eliminação de resíduos do cérebro, chamado de sistema glifático, trabalha em alta velocidade. Quando você entra em sono profundo, esse sistema de higienização elimina do cérebro uma proteína conhecida como beta-amilóide, ligada ao Alzheimer. Sem sono suficiente, você fica sem essa limpeza. A cada noite que passa de sono insuficiente, o risco de Alzheimer aumenta, como a combinação de juros em um empréstimo. Sempre achei curioso que Margaret Thatcher e Ronald Reagan, dois líderes que bradavam dormir apenas quatro ou cinco horas por noite, tenham desenvolvido Alzheimer. O atual presidente dos EUA, Donald Trump, que também vocifera dormir pouco, pode tomar nota. Hormônios da fome. Talvez você tenha notado o desejo de comer mais quando está cansado? Isto não é coincidência. Pouco sono aumenta a concentração de um hormônio que faz com que você sinta fome, ao mesmo tempo em que reduz outro hormônio que sinaliza sensação de saciedade. Ou seja, mesmo satisfeito, você vai querer comer mais. O desempenho atlético também está relacionado ao sono. O sono é talvez a maior “droga” legalizada que melhora o desempenho e que poucas pessoas aproveitam. Durma menos de oito horas de sono por noite e, especialmente, menos de seis horas por noite, e o seguinte efeito acontece: o tempo até a exaustão física cai de 10 a 30%, assim como a produção aeróbica. Em relação a dormir nove horas por noite, dormir cinco a seis horas por noite aumentará em mais de 200% as chances de lesão em uma temporada. Câncer. Dormir menos de seis horas por noite rotineiramente também compromete o sistema imunológico, aumentando significativamente o risco de câncer. Tanto é assim que, recentemente, a Organização Mundial de Saúde classificou qualquer forma de trabalho noturno por turnos como um provável carcinógeno. O sono inadequado - mesmo reduções moderadas de duas a três horas por apenas uma semana - perturba os níveis de açúcar no sangue tão profundamente que você seria classificado como pré-diabético. Aumenta ainda a probabilidade de as suas artérias coronárias se tornarem bloqueadas e quebradiças, abrindo caminho para doenças cardiovasculares, acidentes vasculares cerebrais e insuficiência cardíaca congestiva. Surpreendentemente, basta uma hora de sono perdido, como demonstrado por um experimento global realizado em 1,6 bilhão de pessoas em mais de 60 países duas vezes ao ano, também conhecido como horário de verão. Quando perdemos uma hora de sono, há um aumento de 24% nos ataques cardíacos no dia seguinte. Quando ganhamos uma hora de sono, há uma redução de 21% nos ataques cardíacos. Doenças psiquiátricas. A interrupção do sono foi ainda associada a todas as principais condições psiquiátricas, incluindo depressão, ansiedade e tendências suicidas. Em minha pesquisa nos últimos 20 anos, não conseguimos encontrar uma única condição psiquiátrica importante em que o sono é normal. A ciência está, assim, provando a sabedoria profética de Charlotte Brontë, que afirmou que “uma mente agitada faz um travesseiro inquieto”. Adicione as consequências físicas e mentais acima, e um vínculo cientificamente validado se torna mais fácil de aceitar: quanto mais curto o seu sono, mais curta a sua vida. Descobertas recentes demonstram que indivíduos que rotineiramente dormem cinco horas por noite têm um risco 65% maior de morrer a qualquer momento, em comparação com aqueles que dormem de sete a nove horas por noite. O elástico da privação do sono pode se estender apenas até o momento em que se rompe. Erros médicos. Cientistas como eu começaram a fazer lobby com médicos para começar a "prescrever" uma boa noite de sono (embora certamente não sejam pílulas para dormir). É talvez a medida mais indolor e agradável de ser seguida. A ironia aqui é que, na prática médica, o sono inadequado leva a cuidados de saúde inadequados. Médicos juniores que trabalham em turnos de 30 horas ou mais farão 460% mais erros de diagnóstico do que quando bem descansados. Esses mesmos médicos cansados ​​cometerão 36% mais erros médicos graves, em comparação com aqueles que trabalham 16 horas ou menos. Médicos experientes podem sofrer o mesmo comprometimento de habilidades médicas. Um cirurgião assistente sênior que tenha dormido apenas seis horas ou menos na noite anterior tem 170% mais chances de causar um erro cirúrgico sério em um paciente, em relação a quando ele dormiu adequadamente. Acredito, portanto, que é hora de nós, como indivíduos e como nações, reivindicarmos nosso direito a uma noite inteira de sono, sem constrangimento ou o terrível estigma da preguiça. Compreendo perfeitamente que essa prescrição da qual escrevo exige uma mudança em nossa apreciação cultural, profissional e global do sono. No entanto, não me lembro de nenhum governo lançar uma campanha nacional de saúde pública centrada na importância essencial do sono como prevenção e tratamento de doenças. Simplificando: o sono - uma oportunidade consistente de sete a nove horas a cada noite - é a coisa mais eficaz que podemos fazer para redefinir nossa saúde cerebral e corporal a cada dia, e a razão pela qual eu reverencio e adoro dormir (cientificamente e pessoalmente). Matthew Walker é professor de neurociência e psicologia e diretor do Laboratório do Sono e Neuroimagem na Universidade da Califórnia em Berkeley. Também já foi professor de psiquiatria em Harvard. É autor de Por que Nós Dormimos: A Nova Ciência do Sono e do Sonho (Ed. Intrínseca, R$ 59,90, 400 págs.) Leia o artigo completo aqui .

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Para Inspirar

Paula Pfeifer em "​​Eu sou uma surda que ouve"

Desmistificando a deficiência auditiva por meio de seus textos e de sua própria existência, Paula prova de que não há limitações quando se tem um objetivo.

4 de Dezembro de 2022



Leia a transcrição completa do episódio abaixo:

 

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Paula Pfeifer: Eu sou surda. Só de ouvir essa frase, talvez você já se pergunte: “Como assim, surda, se ela fala tão bem?”. É que graças à medicina e à tecnologia, eu sou uma surda que ouve. Pode parecer coisa de ficção científica, mas não é. Quando as pessoas escutam as palavras “surdez” ou “surdo”, elas automaticamente associam à língua de sinais, intérprete de libras, surdos que não falam. Só que eu e milhões de pessoas no mundo inteiro somos surdos oralizados. Pessoas com algum grau de surdez que falam, que leem lábios e que usam próteses auditivas para voltar ao mundo dos sons.

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Geyze Diniz: Aos 6 anos de idade, a escritora Paula Pfeifer começou a perceber um ruído estranho em seu ouvido, mas só aos 16 que ela recebeu o diagnóstico que tinha surdez severa, bilateral e progressiva. Após alguns anos escondendo sua deficiência auditiva até de si mesma, foi na faculdade que ela revelou seu segredo e saiu do armário da surdez. De lá pra cá, Paula se dedica a criar conteúdo sobre surdez e tecnologia para disseminar informação de qualidade sobre o tema.

 

Ouça no final do episódio as reflexões do Historiador Leandro Karnal para te ajudar a se conectar com a história e com você mesmo. Eu sou Geyze Diniz e esse é o Podcast Plenae. Ouça e reconecte-se.

 

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Paula Pfeifer: Eu devia ter uns 6 anos de idade quando percebi um ruído estranho no meu ouvido. O apartamento em que a gente morava, em Santa Maria, no Rio Grande do Sul, tinha um corredor em formato de “S”, onde eu adorava correr. Numa tarde, eu encostei a cabeça na parede e gritei: “Mãe, tem um apito no meu ouvido!”. A minha memória mais antiga da surdez ainda é nítida, mesmo que tenha passado quase 35 anos.

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Eu lembro do olhar intrigado da minha tia-avó, toda vez que eu repetia a palavrinha mágica das pessoas que não escutam direito: “Hã?”. Pra ela, eu falava “hã?” demais. Às vezes, ela comentava com a minha mãe e a minha avó que desconfiava que eu não ouvia bem. As duas sempre retrucavam: “Imagina, que bobagem!”. Como eu tinha a voz perfeita, ouvia muita coisa e conversava normalmente, era mais fácil pensar que eu era distraída. E, nos anos 80, não havia toda essa informação facilmente disponível hoje.

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Fiz uma audiometria e a fonoaudióloga deixou claro que eu tinha uma perda auditiva, mas minha mãe não lidou bem com a notícia e disse à fono que ela estava enganada. Só posso explicar de uma forma: é a clássica negação. Quando a surdez se manifesta na infância, nem todos os pais lidam com isso da melhor maneira. Embora a surdez seja considerada uma urgência quando acomete as crianças, muitas famílias levam anos até buscar reabilitação auditiva, sem saber o quanto estão prejudicando os seus pequenos. Afinal, tudo é comunicação, e a saúde auditiva é fundamental para o nosso pleno desenvolvimento.
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Fui levada a um otorrino que disse que o canal do meu ouvido se abriria conforme eu crescesse. E que daí ficaria tudo bem porque eu passaria a ouvir melhor. A gente acreditou nesse diagnóstico médico errado, e eu fui me virando com leitura labial. Na escola, eu procurava sempre um lugar estratégico para me sentar. Na época, meu ouvido bom era o direito. Então, eu sentava na fileira lateral e encostava a cabeça na parede, pra ter uma visão panorâmica da sala de aula e “ouvir” com os olhos.

A coisa se complicou na adolescência. Conversar no telefone com as amigas e namoradinhos era um pesadelo. Eu não entendia nada do que eles diziam. Para não passar vergonha, eu pedia para quem atendesse o telefonema dizer que eu não estava em casa. 

No segundo ano do ensino médio, eu fiquei muito amiga de uma menina que era surda oralizada. Ela tinha a voz bem diferente, mas dava para entender direitinho o que ela falava. A gente conversava tanto durante a aula que os professores colocaram cada uma numa ponta da classe. Só que a gente continuava conversando, sem som, somente com leitura labial.

Um dia, um colega me perguntou: “Como é que você consegue entender o que ela fala sem som?”. Aquela pergunta me intrigou tanto, que eu cheguei em casa e falei para a minha mãe: “Até hoje aquele canal que o médico disse que ia abrir não abriu. Vamos procurar outro especialista?”. E assim nós fomos a outro otorrino. 

Eu tinha 16 anos quando finalmente recebi o diagnóstico certo. Eu nunca vou esquecer o movimento dos lábios do médico quando ele me falou: “Você tem deficiência auditiva neurossensorial, bilateral, de caráter severo e progressivo”. Como em muitos casos, a minha surdez é de causa desconhecida. Mas a causa não importava muito. O mais difícil era pensar que, em breve, eu precisaria lidar com a chegada do silêncio total. Meu mundo caiu? Não. Em vez de pensar em mim, eu pensei nos outros. 

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Como seria se alguém soubesse desse fato ao meu respeito? Como seria a reação das pessoas? Será que eu seria vítima de piadinhas e de capacitismo? Quando a minha mãe e eu saímos do consultório, ela estava com o rosto inchado de tanto chorar. Enquanto a gente esperava o elevador, eu disse a ela: “Esquece isso que ouvimos aqui. E nunca mais toque nesse assunto comigo”. Olhando para trás, eu vejo que foi uma atitude infantil de uma adolescente apavorada. A palavra “deficiência” não fazia parte do meu mundo. Em termos práticos, o diagnóstico não mudou muita coisa no meu dia a dia. Eu usei poucas vezes o aparelho auditivo caríssimo que a fono recomendou, porque eu tinha vergonha de usar e entrei para o armário da surdez, tentando esconder a minha deficiência auditiva até de mim mesma.

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Eu me formei no ensino médio e fiquei muito agoniada na hora de escolher uma profissão. Eu tinha vontade de estudar jornalismo ou direito. Mas como, se eu tinha dificuldade para ouvir e para me comunicar? Eu acabei prestando vestibular para o curso de ciências sociais, mesmo sem vocação, e a escolha estava intimamente ligada ao fato de que esse curso não requeria muita interação humana e eu poderia passar bastante tempo com a cabeça enterrada em livros.


A faculdade me tirou da minha zona de conforto. Eram novos amigos, novos professores, novas vozes e novas bocas pra decifrar. Eu ganhei fama de antipática, porque eu não respondia quando os colegas me cumprimentavam. Um dia, na aula de antropologia, a professora me chamou e eu não ouvi. Mas eu li os lábios dela dizendo pra classe inteira que eu era mal-educada. Eu chamei a professora e falei bem alto, pra todo mundo ouvir: “Eu não respondi porque eu não escutei. Eu não sou mal-educada, eu sou surda”. 

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Todo mundo me olhou com os olhos arregalados, e a professora ficou com as bochechas coradas de vergonha. No intervalo, alguns colegas vieram me dizer que se sentiam aliviados em saber que eu não era metida como eles achavam. Esse episódio é muito marcante pra mim. Foi a primeira vez que eu verbalizei alguma coisa a respeito da minha deficiência. Como eu vivia no armário da surdez desde que recebi o diagnóstico, eu achava que, se revelasse o meu segredo, as pessoas ficariam horrorizadas ou algo semelhante. E na verdade elas pouco se importaram. 

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A partir daí, eu comecei a me assumir como surda e a me interessar pelo tema. No último ano da faculdade, eu prestei um concurso público na Secretaria da Fazenda do Rio Grande do Sul. Pela primeira vez, eu tive que lidar com a palavra “deficiente” no meu dia a dia. Eu concorri a uma vaga reservada a pessoas com deficiência, no início das cotas para PCDs em concursos públicos. Eu passei no concurso e, no primeiro dia de trabalho, um colega foi apresentar os três recém nomeados aos outros funcionários. E disse assim: “Esse aqui é o Giovano, esse aqui é o Cristiano e essa é a deficiente”. Eu nunca tinha ouvido falar na palavra capacitismo, eu nem sabia o que era isso. Mas o preconceito já estava ali, escancarado. 

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Alguns meses depois, um colega, muito observador, começou a questionar a minha teimosia em não usar aparelhos auditivos. Ele passou muito tempo insistindo, e eu lembro de um dia em que ele me disse: “Paula, não é possível que tu não te acertes com teus aparelhos auditivos. Deixa de frescura, porque até a minha tia de 80 anos se acertou com os dela e ganhou muita qualidade de vida”. Ele tinha razão. E foi assim que eu dei um basta em todas as desculpas esfarrapadas que contava pra mim mesma tentando justificar porque os meus aparelhos estavam na gaveta ao invés de estarem nos meus ouvidos.

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A partir daí, eu nunca mais deixei de usar os meus aparelhos auditivos. Sair do armário da surdez me tornou mais leve. Eu gastava muita energia fingindo que era uma pessoa que ouvia e fingindo que entendia o que as pessoas estavam falando. Uma cena clássica da surdez é ficar só sorrindo e concordando numa roda de conversa, sem ter a menor ideia do que os outros estão dizendo. Aí você concorda e reza para que não seja uma pergunta. Assumir a surdez me deu liberdade pra eu falar: “Eu não ouvi, você pode repetir?”. 

O tempo foi passando e eu fui perdendo a pouca audição que eu tinha. A surdez tem graus: leve, moderado, severo, profundo. Eu conheci e experimentei todos esses graus. E quando eu cheguei na surdez profunda, a sensação era de viver trancada num aquário. Sem aparelho, eu só escutava estouros, portas batendo, trovão alto e um zumbido constante. Eu era prisioneira do silêncio. E ainda por cima tinha o zumbido como carcereiro, o tempo todo me lembrando: “Eu tô aqui, eu tô aqui”. Eu queria muito sair daquela prisão, mas não via a menor possibilidade de como fazer isso acontecer.

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Em 2010, decidi criar o site Crônicas da Surdez e passei a escrever sobre os perrengues que eu passava no dia a dia. Era quase uma terapia, porque eu não tinha com quem conversar sobre a minha deficiência auditiva. 

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A audiência foi crescendo aos poucos cada vez mais e, a partir daí, um monte de coisas legais aconteceram, entre elas um convite pra fazer a minha primeira palestra num congresso de otorrinolaringologia, que aconteceu em Campos do Jordão. Depois da palestra, saímos com um grupo de 10 fonoaudiólogas para jantar. Apesar de ser expert em leitura labial desde pequenininha, naquele dia, ter que ler o lábio de várias pessoas num ambiente escuro e super barulhento foi impossível. Era a surdez, mais uma vez me afastando das pessoas. 

A minha mãe tirou uma foto minha dormindo na ponta da mesa. Quando ela me mostrou, eu ri, todo mundo riu. Mas eu fui pro banheiro chorar, porque essa foto me mostrava claramente que eu tinha chegado no fundo do poço. Enquanto todo mundo se divertia e conversava, eu dormia, porque não conseguia acompanhar as conversas. E foi aí que eu decidi investigar se podia fazer um implante coclear. Esse implante é um dispositivo de altíssima tecnologia indicado nos casos de surdez severa ou profunda. Eu descobri que sim, eu tinha indicação médica para fazer a cirurgia do ouvido biônico. A foto foi tirada no dia 16 de agosto de 2013. No dia 28 de setembro, eu entrava no hospital para operar o meu ouvido direito. E a partir daí, a minha vida mudou. 

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O meu sonho era poder escutar uma música e entender a letra sem leitura labial. Algumas semanas após a cirurgia, eu estava sentada em cima da minha cama, sem prestar atenção na TV, e começou a tocar a música de abertura de uma novela das 8. E era “Eu sei que vou te amar”. Quando aquela música entrou pelo meu ouvido e fez sentido, o meu corpo arrepiou inteiro. Eu estava ouvindo uma música e entendendo a letra inteirinha pela primeira vez.
Aos 31 anos, eu voltei a ouvir as vozes dos meus amores. Da minha mãe, da minha vó, do meu irmão. Eu voltei a ouvir e a controlar a minha própria voz, porque eu não tinha como saber antes se eu estava gritando ou falando baixinho. Quando eu ouvi passarinhos pela primeira vez, depois de tantos e tantos anos, foi emocionante. O dia em que eu fui até a praia para descobrir se eu tinha voltado a ouvir o mar, que eu tanto amava, e sim, eu tinha, eu não tenho nem palavras para descrever o que eu senti.

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Quando eu voltei a ouvir com o ouvido biônico, percebi que estava no trabalho errado, na cidade errada. E aí eu pensei: “Bom, agora que eu consigo fazer o que eu quiser, o que que eu quero fazer?”. A vida foi abrindo os caminhos. Por uma sucessão de coincidências, por causa do meu primeiro livro, eu conheci o meu marido, que é otorrino, especializado em surdez e em implante coclear. Um ano depois, pedi demissão, me mudei pro Rio de Janeiro, me casei e me tornei madrasta de três crianças.

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O foco do meu trabalho, desde então, é a criação de conteúdo sobre surdez e tecnologias auditivas. Criei uma comunidade que hoje tem 22 mil membros. Em 2018, venci um programa global de liderança do Facebook como residente da América Latina. Foram mais de 6.500 inscritos no mundo inteiro. Esse programa nos deu acesso a fundo de 1 milhão de dólares pra criar e executar um projeto em prol da nossa comunidade. O projeto se chamou Surdos que Ouvem e foi um sucesso. Milhões de pessoas assistiram a nossa campanha em vídeo. Milhares participaram dos nossos eventos. E incontáveis pessoas passaram a usar aparelhos auditivos ou fizeram implante coclear depois de conhecer o nosso trabalho.

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Segundo a Organização Mundial de Saúde divulgou no Relatório Mundial da Audição de 2021, há 1 bilhão e 500 milhões de pessoas com algum grau de perda auditiva hoje no mundo. A nossa missão é disseminar informação de qualidade para que todos saibam os caminhos possíveis para quem nasce com algum grau de deficiência auditiva ou para quem passa a perder a audição ao longo dos anos. A audição é o único sentido humano capaz de ser recuperado artificialmente. Reabilitação auditiva e tecnologia são sinônimo de qualidade de vida: ouvindo melhor, você para de se isolar, de sentir medo das interações sociais e se sente mais seguro para correr atrás dos seus sonhos. 

Outro tema muito importante nesse universo é a acessibilidade, que precisa ser uma luta coletiva, porque ninguém está livre de vir a ter uma deficiência em qualquer momento da vida. Hoje, todos nós temos um celular na palma da mão e consumimos muito conteúdo em vídeo. As legendas são essenciais. Há pouco tempo, o IBGE apresentou os dados da Pesquisa Nacional de Saúde, feita em 2019, e eles mostram que a maioria das pessoas com algum grau de surdez no Brasil não usa Língua de Sinais. Mas nós precisamos pensar em todas as pessoas surdas sempre, e a acessibilidade total para surdos envolve legendas e intérprete de Libras.

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Quando eu comecei a compartilhar as minhas dores e conquistas, eu entendi o poder da autoaceitação, o poder de vencer o medo na direção da mudança. E, com essa mudança, entendi que podia inspirar muitas pessoas a escutarem o barulho de dentro e mudarem as suas próprias vidas.

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Leandro Karnal: História tocante da Paula Pfeifer. Primeiro ela tem que lutar com um problema: surdez progressiva. Ela tem que descobrir até na negação da mãe do primeiro diagnóstico o que fazer diante de uma realidade, que segundo o dado que ela mesma fornece, mais de 1,5 bilhão de pessoas no mundo tem algum tipo de deficiência auditiva. Depois, o que ela mostra, que ela consegue lutar, construir sua história, fazer um concurso e enfrentar o capacitismo, o preconceito das pessoas contra alguma limitação de outra pessoa. Mas, o mais interessante da história não é só nos revelar o que todos sabemos: que o mundo é tomado de preconceitos, que as pessoas julgam a partir de modelos de perfeição. Mas que ela própria teve que superar alguns preconceitos, como a resistência dela a um aparelho e insistir em não usar um aparelho quando ela poderia e ela conseguiu melhorar a sua qualidade de vida através do uso da tecnologia. O preconceito estava no mundo e de alguma forma, ela mesma teve que trabalhar nela a questão da surdez e os desafios que isto pode representar para alguém. O que é bonito na história é que ela se transformou em uma pessoa que luta pra visibilidade, pra diminuição do preconceito, para poder não ser de novo apresentada como a deficiente do grupo, ou seja, que ela tenha identidade, que ela seja a Paula Pfeifer antes ser qualquer outra característica. Então ela conseguiu superar muitas questões, conseguiu superar muitos preconceitos externos e internos e fazer da sua característica específica uma alavanca, um foco que ajuda tanta gente no trabalho que ela faz. Parabéns, Paula.


Geyze Diniz: Nossas histórias não acabam por aqui. Confira mais dos nossos conteúdos em plenae.com e em nosso perfil no Instagram @portalplenae.


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