Para Inspirar

Bella Santoyo em "A gente tem que viver o hoje como se fosse a vida inteira"

Conheça a história de como vidas que se cruzam mudam o curso de um destino, na décima quarta temporada do Podcast Plenae.

3 de Dezembro de 2023



Leia a transcrição completa do episódio abaixo:

[trilha sonora] 


Bella Santoyo: Será que eu tava grávida? Eu fiz o teste da farmácia, mas deu negativo. Aí, eu chorei de alívio, de desespero e de tristeza. Tudo ao mesmo tempo. A minha irmã me perguntou: “Você queria tá grávida?” Eu falei: “Era o que eu mais queria. Mas eu não sonhei em ter um filho desse jeito. Então, eu vou deixar nas mãos de Deus”.  


[trilha sonora] 

 

Geyze Diniz: Bella Santoyo não vive no automático, mas nem sempre foi assim. A descoberta de uma gravidez alguns dias após a morte precoce do seu marido fez com que ela tivesse força para encarar seus medos, preconceitos e insatisfações. Hoje, Bella é coach, mãe da Estela e está casada novamente. Eu sou Geyze Diniz e esse é o podcast Plenae. Ouça e reconecte-se. 


[trilha sonora] 

 

Bella Santoyo: Eu tinha 31 anos quando eu conheci o Eduardo. Era uma fase em que a minha carreira tava bombando. Eu era advogada de formação mas trabalhava como executiva na área de negócios de um banco grande. Eu já não amava o que eu fazia como antes, só que eu era muito bem sucedida.  


A realização profissional vinha por meio da grana naquele momento. Como eu sempre gostei de autoconhecimento, eu já me perguntava: o que eu vim fazer aqui, nessa vida? Será que o meu caminho é trabalhar em banco e ganhar dinheiro?  


Em vez de encarar essa crise de propósito de frente, eu achei que o que faltava na minha vida era uma relação amorosa bacana. Eu comecei a trabalhar essa questão com a minha terapeuta. E foi nessa época que apareceu o Edu, apresentado por uns amigos em comum, num churrasco.  


A gente se apaixonou de cara. O nosso primeiro beijo foi em dezembro. Em janeiro, ele se mudou pra minha casa.  


Eu era aquela pessoa que achava um absurdo casais que vão morar juntos sem nem se conhecer direito. Pensava que era coisa de gente desesperada. Bom, cuspi pra cima e caiu na testa.  


[trilha sonora] 


Quando eu comecei a namorar, achei que todos os meus problemas estavam resolvidos. Afinal de contas, tinha acabado de conhecer o homem da minha vida. Só que foi o contrário.  

 

O Edu era um dentista apaixonado pela profissão. Ele saía de casa feliz pra trabalhar. Eu tive que conviver com a vocação dele e, obrigatoriamente, refletir sobre a minha.  


Eu nem sequer escolhi ser advogada. Queria ter estudado teatro ou jornalismo. Mas o meu pai mandou: “Vai fazer direito e acabou”. E eu atendi os desejos do meu pai. E assim foi… 

 

O Edu me estimulava a mudar de vida. Ele esfregava as minhas qualidades na minha cara. Eu lembro que ele falava assim: “Gatinha, você é demais. Você é uma águia presa numa gaiola de rolinha nesse banco. Pelo amor de Deus! Suas amigas te amam, as pessoas te adoram, você tem magnetismo!”.  


O Edu era muito inteligente e tinha um olhar perspicaz sobre as pessoas. Eu me sinto uma mulher muito mais potente depois que ele entrou na minha vida.  


O Edu me incentivou a viver intensamente as coisas. Ele tinha uma certa urgência no viver e uma mentalidade abundante.  


Se a gente ia mergulhar, ele comprava o melhor equipamento de mergulho. Quando eu questionava aquela gastança, ele dizia que a gente tem que se tratar como um cavalo de raça. Uma vez, ele comprou um monte de roupa de esqui. Aí eu perguntei: Mas por que tanta roupa de esqui? 


- Por que a gente vai esquiar o mundo inteiro! 


Tudo nele era exagerado. Ele mesmo, fisicamente, era um exagero. O Edu foi atleta de rúgbi da seleção brasileira. Ele era largo, absurdamente forte. As camisetas ficavam esgarçadas no pescoço, porque eram pequenas pra ele.  


Seis meses depois que a gente foi morar junto, ele me surpreendeu com um pedido de casamento em Las Vegas. Ele levou até as alianças na viagem.  


No ano seguinte, a gente se casou em São Paulo, com uma festona pra 400 convidados. A gente era um casal apaixonado, daqueles que dava esperança pra quem não acreditava mais no amor. Parece que a gente sabia que o nosso prazo de validade juntos era curto.  

 

Quando a gente completou um ano de casamento, o Edu foi viajar com os amigos para ver o mundial de rúgbi na Nova Zelândia. Depois que ele voltou, eu tirei férias pra gente matar a saudade.  


Foi uma semana de amor. A gente andou de moto, tomou chuva no parque e comeu nos nossos restaurantes favoritos. Na semana seguinte, eu me arrastei pro trabalho e ele voltou feliz pro consultório. 


[trilha sonora] 


Nesse mesmo dia, o mundo tava desabando em cima da minha cabeça no banco, quando meu telefone tocou às 11 horas da manhã. Era o Edu, perguntando como eu tava, dizendo que me amava e me convidando pra ir ao cinema à noite. Eu respondi que também amava ele e me animei com a ideia de sair daquele martírio e ver um filme. 


Uma hora depois, o telefone tocou de novo. Dessa vez, era a secretaria do Edu, me contando que ele tinha passado mal, e que eu precisava correr até o consultório. Eu cheguei a tempo de encontrar o meu marido no chão, desacordado e babando.  


O Edu foi levado de ambulância pro hospital, mas não resistiu. Ele faleceu subitamente, de um AVC, aos 43 anos. O nosso primeiro beijo não chegou a completar três anos.  


[trilha sonora] 


Ninguém entendeu como uma pessoa jovem, saudável e sem nenhuma comorbidade morre assim. Foi um desses acontecimentos inexplicáveis da vida.  


Aos 34 anos, eu fiquei viúva do grande amor que eu tinha encontrado, no auge dos nossos planos e sonhos.  


[trilha sonora]  


Eu tirei uma licença do trabalho e mergulhei num luto profundo. Eu nunca tinha passado por nada parecido. Nunca tinha sentido uma sensação de angústia tão forte que me impedisse de enfrentar o dia.  


Quando o Edu se foi, eu me senti numa escuridão total. Eu tinha dores físicas.  


Eu, que costumo ser uma pessoa alegre e festeira, não sabia lidar com aquela tristeza. As pessoas oravam por mim. Minha irmã se mudou pra minha casa e algumas amigas se revezaram para ficar comigo.  


Mesmo assim, eu sentia uma sensação de solidão total. Eu tinha vergonha de chorar demais o tempo todo, como se eu não pudesse fazer aquilo. Então, eu tomava banhos demorados e chorava debaixo do chuveiro. Os banhos foram curativos pra mim.  


Eu pedi ajuda pra Deus e me lembrei de um texto que se chama Pegadas na Areia. Ele conta a história de um cara que caminha na praia com Jesus. Esse cara se sente sozinho e só enxerga um par de pegadas no chão. Quando ele pergunta porque foi abandonado, descobre que as pegadas eram de Jesus, que tava carregando ele no colo. E eu precisava do colo de Deus. Naquela hora, a fé me ajudou demais.  


Assim que a morte do Edu foi constatada, ainda no hospital, o psiquiatra da família perguntou se eu precisava de algum remédio pra lidar com aquele momento. Eu falei que nunca tinha tomado nada, nem saberia o que tomar. E aí ele me questionou: “Tem alguma chance de você estar grávida?” Eu respondi que não… mas que eu tinha tirado o DIU sete meses antes. Então, ele falou: “Vou te dar um fitoterápico”. Eu fiz um teste de farmácia pra tirar a dúvida, mas deu negativo. Mesmo assim, fiquei encasquetada com aquilo.  


Umas semanas depois, solicitei um pedido de exame de sangue pro meu pai, que era pediatra. Eu fiz o teste numa quinta-feira, na mesma semana em que eu voltei a trabalhar.  


Eu lembro que eu chorava no laboratório, enquanto tiravam meu sangue. O enfermeiro foi um querido e me falou pra eu ficar calma, e que o resultado sairia dali algumas horas.  


Eu fui pro banco e não contei pra ninguém. Mas aí uma funcionária minha, evangélica fervorosa, pediu pra falar comigo. Ela me disse assim: “Bella, eu tava orando ontem por você, de joelho no chão, com a Bíblia na mão. Deus profetizou nos meus ouvidos que você vai ser feliz no detalhe que você viveu com o Eduardo. Aquele detalhe que só você sabe. Você vai ser em dobro”. Eu comecei a chorar e contei pra ela sobre o exame.  


Às cinco horas da tarde, ela foi comigo pra um cantinho do andar e a gente entrou no site do laboratório. O teste deu positivo. E eu chorei de alegria.  


[trilha sonora] 


Liguei pro meu ginecologista, que eu fazia tempo que não via. Eu falei: “Doutor, tenho que falar duas coisas. A primeira é que o meu marido morreu. A segunda é que eu tô grávida”.  


[trilha sonora] 


Aí, eu peguei a minha bolsa e saí do banco, sem nem falar com o meu chefe. Fui direto pra casa dos meus pais e contei a novidade. Meu pai abriu uma garrafa de champanhe que tava quente pra gente brindar. Eu liguei pra minha sogra, e ela ficou paralisada com a notícia. 


Fazia 20 dias que o Edu tinha morrido. Nesses 20 dias, eu pensei em largar tudo e me mudar pra Nova York ou pra Londres ou ainda me enfiar num retiro qualquer. Mas aí a gravidez tirou com a mão a agonia do meu peito e o nó da minha garganta.  


Eu tinha disposição pra me levantar da cama, tomar banho e me alimentar. O meu organismo começou a reagir naturalmente a isso, com mais disposição pra viver. Era o corpo físico fortalecendo a mente e o coração. 


A gravidez foi super bem. Eu fazia os ultrassons acompanhada da minha família inteira: meu irmão, minha irmã e meus pais. Todo mundo marcava na agenda como um compromisso.  


Ainda assim, era estranho não ter o meu marido comigo. O meu olhar sempre focava nos casais. Eu lembro de um pré-natal que eu fiz no banco onde eu trabalhava e eu era a única mulher que não tinha marido. Quando as pessoas me perguntavam sobre o pai, ficavam assustadas ao ouvir a minha história.  


Era tão desconfortável pra mim, que eu chegava a mentir. Um vizinho do prédio certo dia me falou: “Faz tempo que eu não vejo seu marido”. E eu não tive coragem de contar a verdade e respondi: “Ele tá viajando”.  


Eu descobri que ser viúva é um estado civil cercado de tabu. Eu tive que quebrar o meu próprio preconceito pra encarar uma gravidez solo. 


No dia do parto, eu entrei no centro cirúrgico com o meu irmão e um amigo médico. Eu senti muita falta do meu marido nesse dia.  


[trilha sonora] 


A Estela nasceu com 4 quilos, super saudável, com uma pintinha no braço e uns olhões expressivos. Ela era a cara do pai. Todas as visitas ficavam surpresas com a semelhança física entre eles.  


A lembrancinha do nascimento foram cookies em formato de borboleta, porque, na missa de sétimo dia do Edu, uma borboleta ficou voando dentro da igreja. 


Eu me orientei com a psicóloga sobre como contar pra minha filha sobre o pai dela. Quando ela era bem pequenininha, eu falava que ele ficou dodói e virou estrelinha. Mas que ele desejou muito ela, que ele sonhava em ter uma filha de cabelo cacheado que ia se chamar Estela.  


[trilha sonora] 


Quando a Estela tinha 3 anos, eu comecei a namorar o Murilo, que hoje é o meu marido. Ele também é viúvo e a gente se conheceu por um amigo em comum. A Estela tinha cinco anos quando entrou com o Murilo na escola pela primeira vez. Eu lembro que ela arrastava ele pelo pátio, cheia de orgulho. Ela diz que o Murilo é pai do coração dela.  


[trilha sonora] 


Eu acredito na relação a dois. Acho muito difícil a gente ser feliz sozinho. O Edu foi a pessoa que me abriu pra capacidade de amar, de me dar valor como mulher e como pessoa. A morte dele me trouxe um senso de urgência. Eu senti que eu precisava ser feliz e realizada agora, não amanhã. Porque eu não sei se amanhã eu vou tá aqui. Eu não posso esperar muito tempo pra fazer a mudança que eu tanto sonho. Até porque, se a gente sonha demais, o desejo fica só no campo do ideal.  


Depois que o Edu morreu, eu fiz um trabalho de autoconhecimento intenso, que desencadeou em vários estudos sobre desenvolvimento humano. Eu me planejei financeiramente e tive coragem de pedir demissão do banco, pra abraçar a carreira de coaching.  


Nos últimos 11 anos, eu atendo pessoas e dou palestras. Dou cursos e workshops voltados para o desenvolvimento humano, pessoal e profissional. Eu sou muito realizada e sinto que o meu propósito é transformar vidas, assim como eu transformei a minha.  


Eu escrevi um livro sobre a minha história e quero lançá-lo em breve. A escrita foi um processo altamente curativo para mim. O livro vai ajudar a Estela a saber de onde ela veio, mas eu acho que a história pode ajudar outras pessoas também. 


Eu sempre gostei muito da vida, mas hoje eu coloco mais atenção nas pequenas coisas do dia a dia. Raramente eu caio no automático. Eu sinto a vida de uma maneira mais pulsante. Eu amo meu trabalho, eu amo a minha casa, amo a minha família e meu modo de viver. Eu sempre digo pros meus clientes: a gente tem que viver o hoje como se fosse a vida inteira. Eu quero viver bem para morrer bem. 


[trilha sonora] 


Geyze Diniz: Nossas histórias não acabam por aqui. Confira mais dos nossos conteúdos em plenae.com e em nosso perfil no Instagram @portalplenae


[trilha sonora]  

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Para Inspirar

Desmistificando conceitos: as culturas indígenas modernas

O que mudou e quais são os velhos preconceitos que devemos deixar para trás quando o assunto é cultura indígena? Saiba mais!

19 de Abril de 2022


Hoje, dia 19 de abril, comemora-se o Dia do Índio. A data nasceu inspirada em um protesto dos povos indígenas do continente americano ainda na década de 1940, quando um congresso organizado no México se propôs a debater medidas para proteger os índios no território, segundo a BBC.


Nesse dia, é comum ver escolas pintando seus alunos e os enfeitando com cocar. Instituições mais sérias também acabam se mantendo nesse mesmo lugar, de uma celebração superficial de certa forma. Isso porque enquanto estamos celebrando a beleza indígena focados apenas em seus adereços, a comunidade vai perdendo cada dia mais os seus direitos.


A pesquisa “Narrativas ancestrais, presente do futuro”, publicada nesta quarta-feira (13) pela Amoreira Comunicação e também publicada pelo jornal Nexo mostrou, depois de mais de 350 entrevistas - de lideranças indígenas a eleitores conservadores - que a questão indígena ganhou alcance no debate público com a valorização do discurso ambiental e a emergência de lideranças, pensadores e artistas. Mas também mostra que as percepções sobre esses povos são muito distintas, e falta conhecimento sobre o tema para uma parcela da população.


De acordo com o Censo 2010, no Brasil existem, aproximadamente, 897 mil indígenas. Entre essas pessoas, cerca de 517 mil vivem em terras indígenas. Existem hoje 305 etnias e 274 línguas indígenas. A maioria dos indígenas brasileiros não falam a língua indígena (57%).


O indígena hoje 


O fato de o último Censo ter sido feito há 12 anos já demonstra um pouco do descaso que os últimos governantes têm tido com a causa, afinal, em mais de uma década, esses números tidos como oficiais já devem ter mudado. Além disso, a questão territorial está cada dia mais em pauta. 


Há muitas tensões entre o governo atual, regido pelo presidente Bolsonaro, e os indígenas. A BBC, novamente, pontuou ao menos 5 neste artigo - e ainda trouxe a vontade que têm pulsado entre eles de ocupar mais cadeiras no Congresso Nacional.


Mas o que nós, enquanto sociedade, podemos fazer para estarmos mais atualizados e deixarmos os preconceitos de lado quando o assunto é a cultura indígena? Segundo a cantora e jornalista Djuena, é preciso, antes de mais nada, parar de tratar todos os povos como um só, porque isso interfere na individualidade de cada um, além de minar a riqueza que se pode encontrar dentre esses tantos. 


“O que a gente ainda vê é que as pessoas enxergam os povos indígenas como se fôssemos todos iguais. Mas não é assim, há muita diversidade, somos 305 povos no Brasil, sendo falada mais de 200 línguas. Cada um tem sua especificidade, sua particularidade, sua cultura, seus cantos, seus rituais. Mas nós temos uma única coisa em comum: a nossa luta pelo nosso território”, diz.


Djuena, que já apareceu aqui no Plenae, em uma participação no Plenae Drops, tem 38 anos e pertence ao povo de Tikuna, conhecidos também como povo da Magüta. Ela nasceu na aldeia chamada Aldeia Umariaçu II, já na fronteira entre Colômbia e Peru, no município de Tabatinga, a 1107 km de Manaus. 


“Até hoje, em algumas comunidades, nós continuamos fazendo nossos rituais, que é o ritual da moça nova. E a gente acredita muito nessa cultura, que é essa força que eu enquanto cantora carrego dentro de mim. Eu ouço as histórias, sendo contada pelos mais velhos e esse é o caminho que eu continuo seguindo, tenho muita fé na minha cultura. Apesar da igreja ter chegado nas comunidades, assim como em todas as comunidades indígenas do Brasil, ainda mantemos muito nossa identidade graças aos nossos avós que ainda estão firmes, mantendo viva a tradição, a cultura e o ritual”, diz.


Enquanto cantora, ela sente o preconceito na pele por não ser chamada para expor sua arte em grandes locais, a menos que ela mesma faça essa movimentação. “Eu canto na minha língua materna, que é uma língua indígena. Eu não tenho espaço pra mostrar o meu canto, mas no momento em que eu cantar em português, eu vou ter mais espaço para certos festivais, certos lugares”, conta.


As redes sociais e os indígenas


Hoje, ela conta que já conseguiu organizar um movimento cultural de ocupação no Teatro Amazonas, que não recebia a cultura indígena há muito tempo. Em 2017, ela lançou seu primeiro disco solo por lá. E, graças às redes sociais, Djuena consegue mostrar ainda mais do seu trabalho e chamar atenção.


Isso tem sido comum entre eles: resistir e mostrar sua resistência por meio de suas contas nas mais diversas plataformas. “Hoje, com as redes sociais, a gente divulga mais a nossa cultura. Eu sou jornalista, por que eu não posso criar um portal de notícias indígenas? Hoje tem muito influencer digital também mostrando suas culturas. E é preciso, porque em vários espaços há preconceito. Ainda tem muito essa questão de que as pessoas enxergam nós como inferiores e não como protagonistas de nossa própria história”, diz.


Esse movimento ganhou ainda mais força com a pandemia, que obrigou inclusive os povos indígenas a se manterem reclusos em seus territórios, por motivos sanitários. Afinal, há muitos povos que estão instalados longe de capitais ou de qualquer outro contato rápido com atendimento médico, o que poderia dificultar e até dizimar centenas de pessoas caso houvesse contração do coronavírus.


O próprio povo de Tikuna, etnia da Djuena, teve contato com um médico que contraiu o coronavírus, ainda em 2020, marcando a primeira vez que foi registrada no Brasil a possibilidade de o coronavírus ter infectado povos indígenas. E é por isso que eles, assim como todo o resto do Brasil - e do mundo! - recorreram às mídias sociais para continuar a ter contato com a sociedade e expor suas ideias e lutas.


“A pandemia chegou com tudo né, deixando todo mundo em casa. E aí, como é que nós vamos fazer nossa luta? Se não fizermos, ninguém fará por nós. E aí nós nunca tínhamos espaço pros nossos movimentos, porque dessa vez, tínhamos que ficar em casa. E a pandemia colocou todo mundo online, a partir daí só aumentou o que já vinha acontecendo, já existia a mídia índia, uma rede de comunicadores indígenas, entre outras redes. A partir daí, começamos a nos organizar melhor”, conta Djuena.


O que não fazer/falar


O primeiro preconceito a ser deixado de lado, então, é justamente a ideia de que índio não tem celular ou não usa tecnologia. Isso é mentira, afinal, não é porque sua cultura e rituais são diferentes que eles não estão inseridos no século XXI. O próprio termo “índio” também caiu em desuso, dando espaço ao termo “indígena”, que usamos ao longo deste artigo.


Ao G1, o doutor em educação pela Universidade de São Paulo e pós-doutor em Linguística pela Universidade Federal de São Carlos, Daniel Munduruku explicou que a palavra "índio" remonta a preconceitos - por exemplo, a ideia de que o indígena é selvagem e um ser do passado - além de "esconder toda a diversidade dos povos indígenas". 


Vale lembrar que também foi um termo cunhado pelos colonizadores, que tanto exploraram esses povos. "A palavra 'indígena' diz muito mais a nosso respeito do que a palavra 'índio'. Indígena quer dizer originário, aquele que está ali antes dos outros", defende Munduruku. 


"Tribo", como explicou o jornal Alma Preta, também vêm sendo questionado pelos povos originários, já que a palavra também foi criada pelos colonizadores e reduz a pluralidade de cerca de 1.000 etnias indígenas que existiam no país na época do “descobrimento”. É preferível usar “povos”, “aldeia” ou “comunidade”.


Expressões como “programa de índio”, tratar a “cultura” dos indígenas no singular e não no plural, acreditar que eles não trabalham só porque o trabalho deles se dá de forma diferente da nossa, dizer que eles são “sustentados pelo governo” ou “atrasados na cultura”, e pior, achar que está sobrando terra - tudo isso é ofensivo, violento e errado, como explicou José Neto em um vídeo para o Governo do Pará e também o artigo do Ensinar História.


Por fim, perpetuar a crença preconceituosa de que indígenas não fazem nada além de cultivar as terras é também errado. Apesar de eles ainda serem os grandes guardiões de nossas florestas e protegê-las da exploração, os indígenas hoje já são médicos, advogados, artistas, políticos e jornalistas, como a própria Djuena. 


“A gente pode ser o que a gente quiser e as pessoas têm que aceitar isso. Porque afinal, como diz a Sônia Guadalajara, nossa grande líder, o Brasil inteiro é uma terra indígena. Então a gente tem que rever os nossos conceitos, a história de tudo como aconteceu, a colonização fez essas pessoas pensarem que o índio tem que estar no lugar dele. Mas não. A gente pode estar onde a gente quiser”, conclui. 

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