Para Inspirar

Carola Videira em "A inclusão é uma luta de todos"

Na décima primeira temporada do Podcast Plenae, ouça o relato emocionante sobre maternidade e inclusão de Carola Videira.

6 de Março de 2023



Leia a transcrição completa do episódio abaixo:

[trilha sonora]

Carola Videira: Desde muito nova, eu pressenti que teria filhos especiais. Eu estudei fisioterapia, o meu primeiro estágio foi na AACD, uma instituição que cuida de pessoas com deficiência. Durou só uma semana, eu liguei pra minha mãe e falei: “Mãe, vem me buscar porque eu não vou trabalhar aqui. Eu tenho certeza que eu vou ter um filho assim”. Não era hora de lidar com aquilo. A segunda vez que eu verbalizei esse pensamento foi quando o meu marido me pediu em casamento. Eu disse: “Eu só aceito casar com você, se eu souber o que você vai fazer se tivermos um filho com deficiência”. E ele respondeu que amaria igualmente. A terceira foi a caminho da maternidade. Eu escrevi uma carta pra minha mãe pedindo ajuda, caso alguma coisa acontecesse. Porque, apesar da gestação ter sido tranquila, eu sabia que tinha algo errado ali. 

Geyze Diniz: Carolina Videira sempre soube que teria um filho com deficiência. E, claro, ela sabia que esse filho mudaria sua vida pessoal. Ela só não imaginava que ele lhe traria um novo propósito profissional.  Eu sou Geyze Diniz e esse é o Podcast Plenae. Ouça e reconecte-se. [trilha sonora] Carola Videira: O parto foi tranquilo, João nasceu saudável. Mas, quando ele tinha 3 meses, eu percebi que ele estava demorando pra firmar o pescoço. O corpo do João continuava bem molinho. Passou mais de um mês até o pediatra concordar comigo e pedir um monte de exames. O João fez o teste do pezinho ampliado, que rastreia mais de 50 doenças. A gente investigou de erros inatos do metabolismo até problemas oftalmológicos e todos os resultados davam normais. O médico pediu exames mais complexos. E foi em uma ressonância magnética de crânio que detectamos a falta de mielina, que é a substância que encapa nossos neurônios.  Existem mais de 8 mil síndromes catalogadas pela ciência. E pra fechar o diagnóstico de uma delas, é preciso ter ao menos três indícios diferentes. E o João só tinha um, a falta de mielina. Mesmo sem saber qual era o problema dele, a gente começou um processo de intervenção precoce. Aos 6 meses, João já fazia fisioterapia, fonoaudiologia, Terapia Ocupacional e integração sensorial. Ele foi crescendo como um bonequinho de pano. Os músculos não se firmavam, ele também não conseguia falar, porque a fala também dependia de força muscular.  [trilha sonora] Quando João completou 2 anos, chegou a hora de colocá-lo numa escola. Os médicos me disseram que, com sorte, eu encontraria vaga em uma instituição especial. Só que eu queria um colégio comum. Isso aconteceu em 2010, antes da promulgação da Lei Brasileira de Inclusão, que obriga, de fato, as escolas a aceitarem crianças e adolescentes com algum tipo de deficiência.  Eu consegui uma vaga em um colégio particular porque eu conhecia a dona. A babá ia junto com o João pras aulas, porque ele precisava de cuidado integral. Assim que ele entrou na escola, eu me deparei com diversas barreiras de preconceito das outras pessoas. Alguns pais não queriam a presença do João na sala. E o meu filho não fazia mal a ninguém. Ele ficava no cantinho, na cadeira de rodas, não mordia nem batia nas outras crianças. Mas mesmo assim, ele não era bem-vindo por todo mundo. [trilha sonora] Mas não foi só o meu filho que foi excluído. Eu também me sentia excluída da sociedade. [trilha sonora] Os lugares que eu frequentava eu deixei de frequentar, porque não tinham nem rampa. Muitos amigos se afastaram. Vários convites deixaram de chegar, porque as pessoas não sabiam como lidar com o João. E ao invés de me perguntarem o que fazer, era muito mais fácil sumir. Eu fui descobrindo que ser mãe de uma criança com deficiência é uma experiência duplamente solitária. [trilha sonora] Na escola, embora aceitassem a presença do meu filho, não acreditavam no desenvolvimento pedagógico dele. Por exemplo, todas as crianças levavam pra casa atividades uma vez por semana. E quando eu chamei uma reunião pra perguntar porque que não tinha atividade pro João, me perguntaram se queriam que mandassem lição para eu fazer, porque meu filho não era capaz.  Eu, que já tinha um mestrado em neurociência, pensei: “Acho que alguém vai ter que rasgar o diploma. Afinal aquela fala ia contra tudo que eu estudei. Todo cérebro tem capacidade de aprender. Se o João ainda não aprendeu, é porque a gente não tá sabendo ensinar”. [trilha sonora] Um dia, a Cláudia, a babá, me contou que, toda vez que o João chorava, as professoras pediam para ele sair da sala. E aí ela me disse: “Por que que a senhora paga escola? Se é pra ficar passeando no corredor, deixa que eu levo ele no parque”. E quando eu fui questionar o colégio, a presença da babá foi proibida em sala de aula. Disseram que eu precisaria contratar uma acompanhante terapêutica ou uma professora só pra ele. O João não se comunicava com palavras, só que ele tinha compreensão das coisas. Ele ria na hora que era pra rir. Ele chorava quando tinha algum desconforto. A risada e o choro não eram aleatórios. Mas só a Cláudia e eu acreditávamos no potencial do João. Ninguém mais acreditava, nem mesmo o meu marido.  [trilha sonora] Quer dizer, isso entre os adultos. Porque as crianças tinham muito interesse pelo João.  [trilha sonora] Um dia, a professora leu um livro chamado “A História de João Jiló”. Que é a história do fruto, o jiló, que é amargo e que ninguém gostava dele, mas também nunca ninguém tinha experimentado pra saber. O João dava gargalhadas com esse livro. E aí, toda vez quando ele ficava incomodado com alguma coisa, os colegas começavam a contar essa história para fazer ele rir. E os alunos apelidaram o João de João Jiló.  Pro meu filho ter amigos, eu comecei a convidar esses colegas para irem na minha casa. As crianças começaram a entender a dinâmica e passaram a insistir pros pais convidarem o João também. O primeiro convite chegou quando ele tinha quase 4 anos. Uma mãe me ligou e falou: “Olha, me desculpa se eu não souber usar as palavras certas. Mas a minha filha quer muito que o seu filho venha brincar aqui em casa. Você deixa? O que que eu preciso fazer?”. Eu desliguei o telefone e chorei. Talvez ela não faça a menor ideia até hoje do significado daquele convite. [trilha sonora] Foi mais ou menos nessa época que eu decidi engravidar de novo. As pessoas achavam uma insanidade, mas eu fui em frente. Procurei um geneticista que me pediu um exame de genoma do João. E foi assim que a gente finalmente recebeu um diagnóstico. O João tinha uma alteração no DNA, que levava a uma síndrome chamada Pelizaeus-Merzbacher like. “Like”, de “como”, em inglês, porque não era exatamente a mesma síndrome, mas a que mais se aproximava. É uma alteração tão rara, mas tão rara, que na época só existiam 18 casos catalogadas no mundo. Um detalhe curioso da história foi descobrir que eu tenho a mesma alteração genética. A doença só não se manifestou em mim porque eu sou mulher. Então, o médico recomendou que eu fizesse uma fertilização in vitro e implantasse o embrião de uma menina. Esse procedimento é permitido pela lei, nesses casos. Nós fizemos a inseminação e assim nasceu a Maria Cecília, uma criança sem nenhuma deficiência.  [trilha sonora] Minha filha ainda era pequena quando nos mudamos para Boston, nos Estados Unidos. Fomos pra lá, porque encontramos um médico que estava estudando a mesma alteração genética do João em Harvard. Esse pesquisador incluiu o João em um estudo que usava uma tecnologia chamada estimulação transcraniana. O objetivo era aumentar o nível de mielina do cérebro dele. O que de fato aconteceu e melhorou a capacidade de resposta do corpo do João. Os cientistas colocaram no João um equipamento chamado tobii eye, que faz rastreamento ocular. A gente descobriu que o João conseguia controlar as pálpebras. Quando ele piscava, era como se ele clicasse num mouse. Com muita dificuldade, o meu filho mostrou que ele entendia tudo o que a gente falava, coisa que eu nunca tinha duvidado. O que faltava era ferramenta de comunicação. Foi através do computador e das piscadas que ele conseguiu interagir com a gente. E aconteceu uma coisa incrível. Ele clicou as letras “j-o-a-o” e escreveu o nome dele no computador.  Quando a gente voltou pro Brasil, eu levei o equipamento pra escola. As pessoas se emocionaram, choraram e acharam que aquilo fosse um milagre! Mas eu falei: “Não, não é milagre não. Isso é falta de formação e de informação. Se ele é capaz de identificar as letras mesmo sendo retirado da sala de aula, pensem no que ele pode aprender se vocês acreditarem nele do mesmo jeito que eu acredito?”.  [trilha sonora] Foi a partir dali que eu falei pra mim mesma: “Eu vou incluir o João na escola. Eu vou incluir João no mundo”. E eu me vi num cenário de muito privilégio. Primeiro, porque tenho formação acadêmica. Segundo, porque tenho condições financeiras. Terceiro, porque tive força, coragem e saúde mental pra lidar com aquela barra toda. Mas, aí que eu comecei a me questionar: “Cadê as outras crianças com deficiência? Por que que eu não vejo elas no Brasil? Nas escolas? Nas ruas?”. Eu parei e refleti: “Caramba, não é só pelo João que eu tenho que lutar. Tem milhares de outros Joões e Marias nesse Brasil que precisam de ajuda. É isso que eu vou fazer. Se eu incluí o João, que é o mais difícil, pelas questões das múltiplas deficiências, eu vou incluir todo mundo. Eu quero que todas as escolas tenham crianças diversas, com e sem deficiência, com diversidade racial, religiosa, cultural. Foi assim que eu entendi o que ia fazer para o resto da minha vida.  [trilha sonora] Eu fui me capacitar pra trabalhar nessa causa. Porque, apesar da neurociência, eu nunca tinha trabalhado no ambiente escolar. Quando eu trazia os meus aprendizados pro colégio, me botavam de canto, e falavam: “Aqui você é mãe, nós os educadores”. Ok. Então, eu fiz uma especialização em práticas inclusivas e gestão das diferenças. Depois, entrei num doutorado pra estudar violência escolar. Aí, eu não era mais apenas a mãe do João. Eu era uma neurocientista, educadora, mãe do João e da Maria.  [trilha sonora] A essa altura nós estávamos em 2014. A Lei Brasileira de Inclusão estava sendo redigida. Essa lei garante o que tá na nossa Constituição desde 1988: o acesso à educação para todas as crianças. O texto é lindo, só que se a gente colocar esses alunos para dentro da escola, sem preparar os professores,  retirar as barreiras isso vai ser inserção. Não vamos estar incluindo ninguém. Foi aí que eu criei uma ONG pra fazer essa legislação ser de fato cumprida. Foi assim que nasceu a Turma do Jiló. [trilha sonora] Eu gosto desse nome. O “turma” é porque eu não faço nada sozinha e eu tive um bando de amigo que me ajudaram desde sempre. E “jiló” não é só por ser o apelido do João, mas pela analogia com o fruto. O jiló é muito gostoso, se você souber preparar. É a mesma coisa com a inclusão. Muita gente ainda acha que esse assunto é mimimi, chato. Só que a inclusão é boa para todo mundo, se a gente souber fazer. Criamos uma metodologia a partir dos meus estudos sobre escolas inovadoras que vi pelo mundo. Adequamos o processo pra realidade brasileira, fomos atrás dos melhores educadores do país. Procuramos o Ministério Público, conseguimos autorização pra aplicar o método em uma escola pública em Santana do Parnaíba, na região metropolitana de São Paulo. Era um colégio com um índice de violência absurdo, tinham 63 alunos com alguma deficiência. O índice de evasão escolar era em torno de 40%. Confesso que tomei um baita susto, eu estava acostumada com o ambiente privado e eu sabia que o desafio seria gigantesco. [trilha sonora] Foi um projeto de um ano inteiro, que envolveu funcionários, professores, alunos e as famílias. O Ministério Público fez uma pesquisa na região pra medir a evasão escolar daquele colégio que caiu para menos de meio por cento.  [trilha sonora] Daí, o método virou política pública, a ONG nasceu de fato e a Turma do Jiló se expandiu pra outras escolas públicas e privadas e também chegamos nas empresas. A gente já atendeu mais de 100 mil pessoas, entre estudantes e funcionários, e já formamos mais de 3 mil professores. [trilha sonora] Conciliar o trabalho da ONG com a maternidade ficou bem mais difícil quando o João chegou na adolescência. Por causa dos hormônios e o metabolismo dele qualquer resfriado virava uma pneumonia. Passamos três anos entrando e saindo de UTIs. Nesse processo, o João foi perdendo o pouco que ele tinha. Já não podia mais comer pela boca, já não podia mais entrar no mar nem na piscina. O momento mais difícil foi ter que tirar o João da escola. Eu levei um tempo para entender, pra aceitar, me preparar. Mas, quando o João era bebê, teve um médico que me disse: “Não precisa gastar seu tempo nem o seu dinheiro. Deixa ele bem cuidado, dentro de casa, porque ele não vai viver nem dois anos”. O meu filho já estava com 13. [trilha sonora] No dia 28 de novembro de 2021, um domingo, eu coloquei o João pra dormir e na segunda-feira ele não acordou.  Quando ele morreu, pela primeira vez, eu me questionei se deveria continuar o trabalho da Turma do Jiló. Eu não sabia se eu ia ter força. Mas aí, a única vez que eu sonhei com o João desde então, ele me disse: “Mãe, esse não era o meu propósito. Era o seu propósito”. E é mesmo. Então, desistir não é uma opção. E aceitar a exclusão não é uma opção.  [trilha sonora] Mas, o mais bonito disso tudo é que, depois da morte do meu filho, eu passei a ter mais tempo pra cuidar da Turma do Jiló e da Maria Cecília. 2022 tá sendo o ano mais incrível da minha vida. Eu ganhei um prêmio extremamente importante no terceiro setor, que é o Empreendedor Social do Ano. E também venci o prêmio das Nações Unidas pelo trabalho que eu faço frente a redução das desigualdades.  O João me ensinou muitas coisas. A lição mais importante de todas foi a de ser humana. A gente não nasce humano, a gente se torna humano. E aceitar o diferente é parte fundamental desse processo, porque a gente aprende a acolher as contradições que todos nós temos. Mas essa luta não pode ser só do excluído. Ela tem que ser de todos nós.  [trilha sonora] Geyze Diniz: Nossas histórias não acabam por aqui. Confira mais dos nossos conteúdos em plenae.com e em nosso perfil no Instagram @portalplenae. [trilha sonora]

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Para Inspirar

Família Nalu em "Nossa casa é o mundo"

Na terceira temporada do Podcast Plenae - Histórias para Refletir, embarque na viagem da vida nômade com a família Nalu

13 de Dezembro de 2020


Leia a transcrição completa do episódio abaixo:

[trilha sonora] Fabiana Nigol: Se eu fosse seguir os conselhos de muita gente, eu não teria engravidado duas vezes. Eu não teria viajado tanto e estaria morando no Brasil, vendo pela internet o meu marido surfar pelo mundo. Mas, eu decidi viver do jeito que eu acho certo pra mim. Já faz 18 anos que meu marido, o surfista Everaldo Pato, e eu moramos na estrada e fazemos do mundo a nossa casa. E não estamos sozinhos. Junto com a gente tem a Isabelle, de 13 anos, e o Zay, de 1. [trilha sonora] Geyze Diniz: Como diz a música do Arnaldo Antunes "A nossa casa é onde a gente está, a nossa casa é em todo lugar". A família Nalu tem esta estrofe quase como um mantra. Sabendo que o nosso lar é onde o nosso coração está, eles vivem pelo mundo seguindo instintos e vontades. Sabendo ouvir o outro e mais do que tudo, tirando proveito de todas as situações e lugares vividos. Para alguns pode parecer uma vida sem regras, mas para a cenegrafista Fabiana, o surfista Pato e seus filhos Bela e Zay a beleza é essa. Ouça no final do episódio as reflexões da professora Lúcia Helena Galvão para ajudar você a se conectar com a história e com você mesmo. Eu sou Geyze Diniz e esse é o Podcast Plenae. Ouça e reconecte-se. [trilha sonora] Fabiana Nigol: Desde pequena, eu era a única entre as minhas amigas que adorava o surfe, mesmo sem saber surfar. Eu me vestia como uma menina de praia e decorava meu quarto com pôster de Havaí, Indonésia, pôr do sol, mar. Eu morava no ABC paulista, mas sonhava em viver no litoral. Everaldo “Pato": Já eu tive uma infância bem diferente. Nasci em Penha, numa cidade de pescadores no litoral norte de Santa Catarina. Sou filho de pescador e apesar de ter nascido na frente da praia, basicamente, o surfe era algo bem distante porque meu pai considerava que aquele canto onde os surfistas pegavam onda era muito perigoso e indecente. Quando eu tive minha primeira oportunidade de ter uma prancha meu pai disse “não”. Eu comecei surfar só aos 15 anos, uma idade bem avançada para iniciar o esporte. E em uma semana eu já estava surfando ondas consideravelmente grandes pra nossa região e pro Brasil. Eu entrei no mar gigantesco que quase ninguém entrou, porque eu era um bom nadador. Por influência do meu pai, a minha afinidade com o mar é muito grande. Depois que eu comecei a surfar ninguém mais me tirou da água durante oito horas por dia até hoje. Fabiana Nigol: Eu fiz faculdade de comunicação social e comecei a trabalhar em São Paulo e fui me enquadrando no estilo de vida das pessoas ali, das minhas amizades, do meu círculo de amigos. E aquele sonho da praia foi ficando pra trás. Até que um belo dia, trabalhando como modelo na Feira do Surfe em São Paulo, eu conheci o Pato. Ele tinha acabado de voltar do Taiti com umas imagens lindas que ficavam passando na TV, ali, todo momento e eu fiquei pensando, né:  “O que que eu tô fazendo aqui?" Porque tudo que eu sonhei pra mim veio à tona ali naquele momento: "Por que que eu não saio viajando? O que que me prende aqui em São Paulo?".  E eu estava apaixonada pelo Pato, mas achava no fundo que a gente nunca ia dar certo, por causa da vida dele nômade. Mas eu me arrisquei. Falei: "o que tiver que ser vai ser". Eu vendi meu carro, fui pra Austrália e da Austrália eu fui pro Havaí para encontrar com ele e de lá a gente nunca mais se separou. Então nós nos casamos e passamos cinco anos viajando pelo mundo, sem horário pra nada, dormindo em capa de prancha, passando o dia na praia sem preocupação alguma. Ele ganhava dinheiro com patrocínio e eu comecei a ganhar dinheiro fazendo as filmagens de surfe. Mas a gente sempre sonhava em ter um filho e isso preocupava em como que a gente ia ter um filho e manter aquela vida. Parar de viajar, ter um endereço fixo, igual todo mundo, isso não combinava com a gente, estava fora de cogitação. E a profissão do Pato exigia que ele sempre estivesse na estrada, em busca de ondas perfeitas, ondas gigantes. E a gente fazia questão de estar junto. [trilha sonora] Depois de cinco anos, como nosso planejado, eu engravidei e comecei a ler, como toda, acho, que futura mãe, né. Começa a ler os conteúdos sobre maternidade, os livros e coisas na internet e eu fiquei mais preocupada ainda porque as recomendações todas que eu lia era que o bebê precisava de uma rotina, que tinha que dormir no mesmo horário, no mesmo bercinho, com a mesma intensidade da luz, sem barulho, que isso, que aquilo... e seria impossível! Então eu pensei: “Quer saber de uma coisa? Eu não vou ler mais nada, porque eu vou ficar maluca. Eu simplesmente vou ouvir o meu coração e fazer do meu jeito, claro, com muito amor e cuidado”. Então eu decidi que a gente não ia mudar em nada nossa maneira de viver e que o bebê, sim, ia se adaptar ao nosso estilo de vida. E a Bela nasceu durante uma viagem pro Havaí, na ilha de Oahu. O nome dela já estava decidido fazia um tempão. Na verdade era Isabela, mas a gente acabou mudando por Isabelle. E decidiu colocar um nome havaiano, procurei, procurei e gostei de “Nalu”, que significa onda. Então ficou Isabelle Nalu, e a gente chama ela hoje de Bela. A primeira viagem dela foi com 20 dias de vida. Saímos de Honolulu com destino a São Paulo. E ela era tão pequenininha que viajou em cima de um travesseiro. Só chorou um pouco no segundo trecho do avião. E ali, eu senti que meu plano ia dar certo. Ela era uma bebê corajosa e já se mostrava uma grande parceira de viagem. A Bela super se adaptou a nossa vida nômade. E a gente passa quatro, cinco, seis meses por ano no Havaí, sempre em casa diferentes. No resto do ano, a gente viaja pelo mundo. E faz 11 anos que a gente mostra nossas aventuras no programa “Nalu Pelo Mundo”, exibido pelo Multishow, depois pelo canal Off. E muita gente viu a nossa filha crescer pela TV. As pessoas têm o maior carinho por ela. Poxa, todo mundo que encontra todo mundo fala: "Eu te acompanho desde que você era um bebê". [trilha sonora] Hoje em dia o maior quebra-cabeça dessa falta de rotina é com os estudos da Bela. Ela começou a ir pra escolinha quando tinha 9 meses e sempre teve algum tipo de educação formal. Ela frequentou colégios no Havaí, no Chile, na Indonésia e no Brasil. Quando ela estava na terceira série, a gente aderiu ao homeschooling, o ensino em casa, porque a gente ia viajar e viver num barco. A gente não tinha internet a bordo, então compramos uma caixa com vários livros e atividades escolares. Eu fui a professora e juntas, eu e Bela, aprendemos sobre mitologia, inglês, ciências e fizemos mil experiências a bordo. O que era muito legal nessa vida no barco, porque o que a gente estudava no livro, a gente aplicava ali na prática e no dia a dia. E eu, naquela época, confesso que não estava empolgada com a ideia de morar num veleiro. Eu gosto muito do mar, adoro barco, mas isolamento total não é minha praia. Mas esse era o grande sonho do Pato. E eu não ia ser aquela pessoa que impediria ele de concretizar esse plano, esse sonho. Então eu topei e acabou sendo a maior aventura da minha vida. Everaldo “Pato": Fiz uma viagem em 1996 pela Indonésia. Foi a primeira vez que eu fiquei em um barco morando por mais de uma semana, apenas pegando onda. Antes disso, por ser filho de pescador, eu passei muitos dias num barco. Mas pescando, que é uma vida dura. Agora viver a bordo, tomando café da manhã, almoçando, jantando e surfando o dia inteiro, eu nunca tinha feito. Quando isso aconteceu na ilha de Sumbaua, lá na Indonésia, eu falei: “Cara, eu quero isso aqui pro resto da minha vida. Eu quero morar num barco. Eu quero criar meus filhos num barco." Mas esse sonho demorou para se concretizar. Primeiro, eu tive que conquistar a Fabiana. Casar e viver com ela por mais de dez anos, até conseguir convencê-la ir em busca desse sonho. Depois, tive que achar o barco certo, no lugar certo e no momento certo de nossas vidas. Foi um sonho que eu batalhei muito para alcançar.  Fabiana Nigol: A vida no veleiro, eu era obrigada a descansar, uma coisa que eu não costumo fazer. Eu sou muito agitada, gosto de caminhar, sempre descobrir lugares novos. E ali, eu tinha horas pra ler um livro, horas pra contemplar uma paisagem. E aquilo me dava uma certa agonia. Claro, tem sempre o lado bom. Eu mergulhei com baleias, vi golfinhos, assisti a Lua nascendo no mar, pesquei e tive a alimentação mais saudável possível. Na Polinésia Francesa a gente conheceu ilhas desertas, aquelas de cartão postal, sabe? Areia branca, água cristalina, só a gente. E ali na vida a bordo também eu tive que aprender a lidar com o medo, quando o Pato decidiu fazer uma travessia de 18 dias do Taiti pra Fiji. Eu não queria de jeito nenhum. E o Pato falava: “Fá, você é aventureira. Você vai se arrepender se pegar um avião, igual todas as outras pessoas que não têm coragem. Vamos, vai ser legal!” E eu fui, com muito medo, mas eu fui. Ali no barco, você tem que ter muito autocontrole pra estar em mar aberto, sabe, virar a cabeça 360 graus e não ver terra, não tem pra onde correr se acontece alguma coisa. E um dia, a gente pegou uma tempestade de 40 nós de vento, o que são mais ou menos 74 quilômetros por hora. E fazia muito barulho, o barco parecia que ia quebrar no meio. E ali eu não podia nem demonstrar medo, porque além de tudo precisava passar confiança pra minha filha. Bom, cheguei em Fiji e foi a melhor sensação do mundo. Eu me sentia a mulher mais poderosa de todas. Saí do barco, beijei o chão, dei uma cambalhota. Foi um dos dias mais felizes da minha vida, sabe? Missão cumprida. [trilha sonora]

Everaldo “Pato": Eu percebi que depois de um ano, um ano e meio a bordo, minha filha e minha mulher não estavam mais felizes. A Bela já não era aquela menina que entrou no barco. Nem a Fabiana. Apesar dela ter vencido todos os medos, superado todos os limites dela, o que eu testemunhei. As duas estavam cansadas daquela vida, que era mais um sonho meu, do que um sonho delas. Quando eu percebi isso, e foi rápido, graças a Deus, eu aceitei que era o momento de interromper aquele projeto. 

Fabiana Nigol: Em 2019, a Bela fez um pedido pra gente, a gente decidiu atender o pedido da Bela, que era passar um tempo no Brasil. E bem nesse ano eu tava grávida do meu segundo filho, do Zay. E realmente, parecia uma boa ideia, depois de 17 anos na estrada, eu não lembrava mais o que era ficar numa casa por tanto tempo. A gente alugou uma casa linda, dentro de um condomínio em Florianópolis, quatro quartos, piscina, churrasqueira, aquele sonho que o brasileiro tem em mente. A Bela frequentou uma escola com a metodologia Waldorf, que a gente acha que é mais o estilo dela, e participou dos campeonatos de surfe que ela tanto queria, fez amizades. Ela, realmente, ela adorou passar esse ano no Brasil. E já eu não gostei, não gostei nem um pouco. O Zay nasceu em julho e eu sofri uma depressão pós-parto. Eu nunca tinha ficado o inverno em Floripa. E eu não gosto nem de lembrar daqueles dias cinzentos e frios. E eu fui percebendo que a experiência de ter uma casa grande, com funcionário, despesas altas é algo que eu realmente eu não quero pra mim. Everaldo “Pato": No fim daquele ano, graças a Deus, Fabiana e a Belinha perceberam que era muito mais legal não ter um endereço. Estar a cada dois ou três meses em um lugar do mundo, conhecendo culturas diferentes, fazendo amizades novas, e tentando experiências é algo que não tem preço. Morar em uma residência fixa foi importante para nossa família, como um ponto de equilíbrio. Essa vivência fez a gente perceber que realmente somos nômades. [trilha sonora] Fabiana Nigol: A gente como pai nunca sabe se tá fazendo certo na criação dos nossos filhos, né. Quantas vezes passou pela minha cabeça: “Será que é saudável ela não ter uma base, não ter tanto contato com a família, não ter amigos por perto, não ter uma casa, não ter o cantinho dela?” Eu tenho medo e ainda penso muito sobre isso. Mas, por outro lado, eu me acalmo quando eu vejo a pessoa que a Bela tá se tornando. Ela, né, a minha filha me ensinou que bebê não precisa ter mil regras, tralhas, o melhor berço, a melhor cadeirinha. Isso é coisa da nossa cabeça. A falta de rotina fez dela uma criança que se adapta a qualquer situação, come qualquer coisa, dorme em qualquer lugar, conversa com qualquer pessoa. Ela tá sempre bem humorada e nada é problema para ela. Ela  entende que as roubadas fazem parte da vida e que nem sempre vale a pena esquentar a cabeça com elas, daqui a pouco vem coisa melhor. Ela não tá nem aí pro celular, roupas, bens materiais. A Bela decidiu ser atleta de surfe e tá treinando pra isso, com todo o nosso apoio. Já visitou 42 países e é uma adolescente preparada pro mundo. Por isso, eu não pretendo mudar nada na maneira de criar o Zay. Os brinquedos dele são gravetos, conchas, cocos, flores. No momento, a brincadeira predileta dele é caçar siri. E esses brinquedos de loja, esses que a gente vê na TV, ele não tem nenhum e eu vejo que não faz falta alguma. E eu e o Pato, a gente conseguiu o que a gente sempre planejou: continuar viajando, mesmo com os filhos. E pelas mensagens que eu recebo, sinto que muitas pessoas se inspiram na gente. Mulheres me escrevem dizendo: “Quando eu for mãe, quero ser igual você”.  Everaldo “Pato"A quantidade de experiência, tanto nós, como nossos filhos, dia após dia, é uma coisa que dificilmente você vai conseguir ter isso numa escola. Dificilmente eu conseguiria imaginar isso quando eu estava lá na Penha, pescando com meu pai ou mesmo sonhando, correndo as minhas primeiras ondas. Eu jamais imaginei que pudesse existir uma vida assim, que pudesse existir algo que nós estamos vivendo hoje. Mas como eu sempre fui um grande sonhador. E continuo sendo. Eu sempre acreditei que não existe sonho impossível, que basta acreditar. E o que eu tenho sempre comentado nesses anos e anos de inúmeras experiências, de pessoas que nos perguntam, de dicas que a gente passa, é que cada um de nós somos seres únicos, exclusivos. E que cada um de nós temos os nossos sonhos, e que se nós entrámos para dentro da gente, escutarmos nossos corações, acreditarmos nos nossos sonhos, eles sempre se tornarão realidade. Fabiana Nigol: Viajar é abrir a mente, rever conceitos, se adaptar à maré. Lá atrás, quando eu era uma menina que morava no ABC, eu só queria mudar pra praia. Eu nunca imaginei ter essa vida de sonho que eu tenho hoje, com uma família que trabalha unida. O lema da família Nalu é: se todos estão felizes, seguimos em frente com a vida que escolhemos.  [trilha sonora]

Lúcia Helena Galvão: A família Nalu conta uma história de vida bem diferente daquela que a gente está acostumado a ouvir. Ousam imaginar que dá para viver diferente. E vão viajando para todas as praias do mundo onde existem boas ondas. Num determinado momento percebem um novo sonho. A vontade de ter filhos dentro de um contexto tão diferente, onde todas as coisas consideradas como mínimas para ter uma família estável, eles não possuíam. Nem casa, nem cama, nem um endereço fixo, nem um lugar fixo para os filhos estudarem. E eles ousam, ousam mais uma vez jogar essas regras todas fora e fazem a tentativa. Tiveram dois filhos que brincam com conchas, que não ficam ligados em celular, que não estão nem aí para posses materiais e nem pra conforto. E aí a gente para pra pensar: "Ué, mas aquelas coisas não eram necessárias? Não eram fundamentais?". Logo a gente que às vezes estranha até quando pega um caminho diferente para ir ao trabalho. Bom, o que nós estamos procurando é a realização de nós mesmos, dos nossos sonhos, encontrar a nossa identidade. E pra isso tem que saber encontrar o essencial, e saber distinguir o que é supérfluo, o que é descartável, e não inverter as coisas. Fazer da vida uma aventura significa colocar os teus sonhos na frente de qualquer regra rígida que ameaça engessá-lo numa vida que não te realiza e não deixa você encontrar consigo mesmo no meio da rota. [trilha sonora] Geyze Diniz: Nossas histórias não acabam por aqui. Confira mais dos nossos conteúdos em plenae.com e em nosso perfil no Instagram @portalplenae. [trilha sonora]

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